Expressões populares com Braga
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Maria Teresa Borges de Almeida
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Jul 3, 2023

Artigo publicado no “Expresso” de 20 de junho que reproduzo com a devida vénia:

As expressões populares com Braga são “mais velhas que a Sé de Braga” e põem o país a “ver Braga por um canudo”

Braga inspira um conjunto de expressões de uso corrente de norte a sul do país. Qual a sua origem e em que circunstância galgaram as fronteiras do Minho? As respostas a estas dúvidas implicam uma viagem ao passado da “cidade dos arcebispos”.

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Artigo publicado no “Expresso” de 20 de junho que reproduzo com a devida vénia:

As expressões populares com Braga são “mais velhas que a Sé de Braga” e põem o país a “ver Braga por um canudo”

Braga inspira um conjunto de expressões de uso corrente de norte a sul do país. Qual a sua origem e em que circunstância galgaram as fronteiras do Minho? As respostas a estas dúvidas implicam uma viagem ao passado da “cidade dos arcebispos”.

No quotidiano português, em ocasiões de aperto, é frequente o recurso a expressões com o topónimo Braga para reagir à situação. Se a alguém for dirigido um “és de Braga!”, o visado sabe que se esqueceu de fazer algo. Se não alcançou algo a que se propôs, diz que ficou a “ver Braga por um canudo”. E ninguém fica impávido se for mandado “abaixo de Braga”.

Seja-se oriundo do norte, centro, sul ou ilhas, dificilmente haverá alguém que não conheça o significado destas expressões e até as use no seu dia a dia.

Em entrevista ao Expresso, o linguista João Carlos Brito, autor do “Dicionário de Calão do Minho” (2019), aventa uma explicação para o facto de estas expressões, mais do que serem típicas de Braga, terem galgado as fronteiras minhotas e conquistado o resto do país.

“Há que perceber a importância de Braga num passado não muito distante. Braga era a cidade mais importante em termos litúrgicos e era para onde se deslocavam praticamente todos os filhos mais velhos das famílias mais humildes que tinham algumas possibilidades”, diz este professor-bibliotecário no agrupamento de escolas de Gondomar Nº 1. “A hipótese de ascender socialmente era pôr o filho mais velho a estudar para padre. Então iam para Braga.”

BRACARA AUGUSTA, A “ROMA PORTUGUESA”
Em termos administrativos, Braga é a cidade mais antiga de Portugal. Fundada durante o reinado do imperador Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), Bracara Augusta tinha o estatuto de capital de província no Império Romano.
Igualmente, com mais de oito séculos de existência, a arquidiocese de Braga é a mais antiga do país. Algumas instituições religiosas do município são mesmo anteriores à nacionalidade, como a Sé de Braga, solenemente consagrada à Virgem Maria a 28 de agosto de 1089.

No léxico português, todo esse legado de prestígio sobrevive através dos epítetos “Roma portuguesa” e “cidade dos arcebispos”. E sustenta outra expressão muito popular no país: “mais velho que a Sé de Braga”, que qualifica, normalmente num tom hiperbólico, algo de extremamente velho.
Mas sendo a Sé de Braga a mais antiga do país não é, curiosamente, a estrutura religiosa mais velha de Braga já que datam de 1071 e 1077 as primeiras referências documentais ao Mosteiro de Tibães.
As expressões populares com Braga são “mais velhas que a Sé de Braga” e põem o país a “ver Braga por um canudo”

“A língua é algo que tem a ver também com a sociologia. Aquilo que algumas pessoas dizem tem mais força do que outras. Neste caso, eram pessoas bem formadas e que tinham influência, numa sociedade extremamente rural. As suas palavras, as suas expressões propagam-se muito mais rapidamente entre quem as ouvia”, diz João Carlos Brito. “Durante todo o Estado Novo, e mesmo antes, as figuras de referência eram o regedor, o padre e o professor. Os padres eram muito respeitados e muitos deles eram oriundos de Braga.”

Paralelamente às raízes históricas e ao contexto sociológico, “às vezes as palavras e expressões são de tal forma criativas que acabam, pelas trocas que se fazem entre os falantes, por ser usadas em todo o país”. Na sua origem, há sempre histórias locais, contadas sem rigor científico e, por vezes, com múltiplas versões.
“ÉS DE BRAGA!” — Diz-se para alguém que deixou a porta aberta. A explicação decorre, com forte probabilidade, do Arco da Porta Nova, uma das entradas na antiga muralha da cidade que nunca teve porta. Mandada rasgar em 1512, numa altura em que já não havia guerras com a frequência de séculos anteriores e a própria cidade já se estendia para fora dos seus muros, não se considerou necessário ali colocar uma porta, como nas restantes sete. Quem ali vive ficou conhecido como aqueles que não fecham a porta.

“VER BRAGA POR UM CANUDO” — Significa não alcançar o que se deseja. A expressão remete para o monóculo localizado junto ao Santuário do Bom Jesus do Monte que permite observar a cidade de Braga, criando a falsa sensação de proximidade. Foi imortalizada por Rafael Bordalo Pinheiro (1846-1905), num álbum ilustrado de 1872, intitulado “Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador do Rasilb [anagrama de Brasil] pela Europa”, realizada entre maio de 1871 e março de 1872, e registada em “quadradinhos”. Num deles, D. Pedro II visita o Mosteiro da Batalha de bicicleta, noutro recebe cartões de sócio de todas as filarmónicas de Portugal e, num terceiro, espreita Braga por um canudo.

“MANDAR ABAIXO DE BRAGA” — Em bom português, significa mandar alguém à mxxxx. A expressão estará diretamente ligada a um campo localizado fora da antiga muralha para onde corriam águas residuais e se varriam os lixos. Por se encontrar num nível mais baixo relativamente à cidade, esta zona imunda e mal-cheirosa ficava “abaixo de Braga”.

UM BRACARENSE “MUITO À FRENTE”
Talvez menos conhecida e de uso mais regional comparativamente às restantes, “ser como o sapateiro de Braga” engorda o capítulo das expressões curiosas. Trata-se de uma observação que decorre “provavelmente” da história do sapateiro José da Cunha Alves de Sousa (1837-1902). “Era um indivíduo muito à frente”, diz João Carlos Brito. “Além de fabricar os seus próprios sapatos, destinados à população, às vezes até sem custos, numa altura em que todos andavam de tamancos, já fabricava uns sapatos de muita qualidade. Foi reconhecido internacionalmente.” Pelo seu trabalho inovador, de qualidade, bem como pela comodidade que procurou propiciar aos bracarenses, obteve medalhas de mérito na Europa e nos Estados Unidos.

DIZ-ME COMO FALAS, DIR-TE-EI SE ÉS BRACARENSE
Licenciado em Línguas e Culturas Modernas, pela Universidade de Aveiro, João Carlos Brito estuda regionalismos há 35 anos. “É uma paixão”, diz. No “Dicionário de Calão do Minho”, tem compiladas 1700 entradas — entre regionalismos, idiomatismos, provincialismos, localismos, gírias e outras linguagens marginais e informais, para além de calão — que revelam a riqueza dos falares minhotos.

Estes cinco vocábulos, em particular, identificam um bracarense, em qualquer parte do mundo.

Forrinhos: corresponde ao sótão, onde normalmente se guardam muitas coisas.
Borronas: são os marcadores, também chamados canetas de feltro, que borram o papel.
Basculho: especialmente usada para identificar uma mulher de má fama ou pessoa desagradável.
Begueiro: tanto pode identificar um jumento (animal) como uma pessoa má ou, em ambos os casos, uma besta.
Marrafas: também designadas repas ou franjas, noutras partes do país, são uma mecha de cabelo dividida ao meio sobre a testa. Na sua origem, estará o dançarino italiano Marrafi, que se apresentou em Lisboa em 1791 e que usava assim o cabelo. “Alguém de Braga terá ido a Lisboa ver o espetáculo dele e depois de voltar terá comentado: ‘Tens o cabelo como o Marrafi’”, arrisca João Carlos Brito. “E, tal como um vírus, a palavra nunca mais parou.”
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Carla Guerreiro
 
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Expressões populares com cidades Jul 3, 2023

Excelente artigo!
Além do "basculho", o "migalheiro" (mealheiro), o "chuço" (guarda-chuva ou chapéu de chuva), o "bandulho" (barriga), os "chispes (pés), o "basqueiro" (barulho), ou "sendeiro(a)" (trapaçeiro(a)) também são muito ouvidos por estas bandas. O Porto recebeu muitas destas expressões minhotas e eu sou utilizadora frequente deste registo mais informal






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Excelente artigo!
Além do "basculho", o "migalheiro" (mealheiro), o "chuço" (guarda-chuva ou chapéu de chuva), o "bandulho" (barriga), os "chispes (pés), o "basqueiro" (barulho), ou "sendeiro(a)" (trapaçeiro(a)) também são muito ouvidos por estas bandas. O Porto recebeu muitas destas expressões minhotas e eu sou utilizadora frequente deste registo mais informal






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Maria Teresa Borges de Almeida
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@Sandra Jul 3, 2023

expressisverbis wrote:

Excelente artigo!
Além do "basculho", o "migalheiro" (mealheiro), o "chuço" (guarda-chuva ou chapéu de chuva), o "bandulho" (barriga), os "chispes (pés), o "basqueiro" (barulho), ou "sendeiro(a)" (trapaçeiro(a)) também são muito ouvidos por estas bandas. O Porto recebeu muitas destas expressões minhotas e eu sou utilizadora frequente deste registo mais informal


[Edited at 2023-07-03 13:08 GMT]


Algumas dessas expressões desceram por aí abaixo e eu, apesar de alfacinha, também as uso (bandulho, chispes…).


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Não sabia :) Jul 3, 2023

Tenho um amigo e cliente que é natural de Lisboa.
Uma vez, ligou-me para falarmos de um projeto de tradução e acertamos alguns aspetos e no final eu perguntei-lhe qual seria a data de entrega da tradução.
Claro que os clientes têm sempre alguma urgência, mas este cliente sempre foi compreensivo em relação a "deadlines".
Porém, naquela altura, estava mais ocupada e então disse-lhe que tinha de andar mais depressa com um projeto que estava a terminar para me dedicar
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Tenho um amigo e cliente que é natural de Lisboa.
Uma vez, ligou-me para falarmos de um projeto de tradução e acertamos alguns aspetos e no final eu perguntei-lhe qual seria a data de entrega da tradução.
Claro que os clientes têm sempre alguma urgência, mas este cliente sempre foi compreensivo em relação a "deadlines".
Porém, naquela altura, estava mais ocupada e então disse-lhe que tinha de andar mais depressa com um projeto que estava a terminar para me dedicar ao dele porque ainda era bem grande.
O problema é que utilizei uma expressão muito típica de cá e disse-lhe ao despedir-me: "Bom, fulano de tal, agora tenho de acabar isto "a correr e a comer uma regueifa".
Ele desatou à gargalhada e perguntou-me não o que significava a expressão, porque era fácil de deduzir, mas o que era uma "regueifa".
Expliquei-lhe que era um pão com uma forma entrançada e arredondada muito saboroso e, no fim, incentivei-o a vir cá acima, à terra da regueifa e do biscoito (Valongo). Posteriormente, ele esteve por cá, mas não chegou a vir ao Porto.
Os "chispes" e o "bandulho" são palavras muito engraçadas!




[Edited at 2023-07-03 14:01 GMT]
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